Publicamos a seguir a entrevista do arcebispo de São Paulo, Cardeal dom Odilo Pedro Scherer, concedida ao jornal O SÃO PAULO, na qual falou sobre sua missão como voz oficial da Igreja Católica na Rio+20.
Qual a importância da realização de um evento das Nações Unidas sobre sustentabilidade nos dias de hoje?
Dom Odilo Pedro Scherer – A realização dessa Conferência tem um significado relevante, mesmo se as decisões práticas nem sempre cheguem onde se gostaria, essa Conferência ocasiona uma grande tomada de consciência sobre como andam as coisas na relação do homem, e de sua atividade econômica, com a natureza e o futuro da vida no nosso planeta. E isso envolve a todos, desde os cidadãos até os governantes. Há nisso um efeito educativo nada desprezível. Medidas políticas e econômicas serão eficazes, só depois dessa tomada de consciência.
A Igreja entende que o homem deve ser a preocupação central das questões ambientais. O senhor poderia explicar isso melhor?
Dom Odilo – O homem é o agente principal e consciente, que é capaz de interferir na natureza, quer para o bem, quer para o mal. Portanto, ele precisa aprender a lidar com a natureza de maneira lúcida e eticamente responsável, tendo em vista a sustentabilidade dessa “casa comum”, que nos abriga, nutre e encanta, e tendo em vista a solidariedade humana social, bem como o cuidado de todos os outros seres, que também são parte desse ambiente da vida. A questão ambiental, no fundo, é uma questão ética e moral. Nada muda para melhor, se o homem não tomar as decisões acertadas e responsáveis.
Há grupos e movimentos que aproveitam as discussões ambientais para colocar na pauta a questão do aborto, como se fosse um “direito humano”. Qual a visão da Igreja sobre isso?
Dom Odilo – A visão da Igreja sobre a questão é amplamente conhecida; não se defende a vida, promovendo a morte de seres humanos inocentes e indefesos! A proposta do aborto, nessa discussão, vai na linha do egoísmo concentrador dos recursos naturais, que leva a excluir, em vez de incluir, os convivas no banquete da vida. A inserção dessa questão na pauta ambiental é contraditória, pois propõe, lamentavelmente, o contrário da “sustentabilidade” da vida... Isso não faz nenhum sentido e espero que haja bom senso, de maneira que a pressão pela aprovação do aborto não seja incluída na Declaração final.
O senhor embarca hoje para o Rio de Janeiro como enviado especial do papa Bento 16. Já teria condições de dizer qual a mensagem da Santa Sé para a Rio +20?
Dom Odilo – Fiquei muito honrado com a missão recebida da Santa Sé; ao mesmo tempo, entendo que é uma grande responsabilidade, pois se trata de fazer ouvir oficialmente, na Conferência, a palavra da Igreja Católica sobre as questões em pauta. O discurso está sendo preparado com muita atenção; certamente vai na linha daquilo que o Santo Padre e a Santa Sé já manifestaram em várias ocasiões sobre a temática da economia, da ecologia e das relações do homem com a natureza.
Qual a avaliação do senhor diante da recusa dos países ricos em criar um fundo de 30 bilhões de dólares para o ambiente global, e da dificuldade em assumirem metas de redução na emissão de gases?
Dom Odilo – Vejo que ainda não encaram seriamente os problemas ecológicos, já evidentes, e os que estão a caminho; prefere-se salvar certa forma de economia “depredadora” dos recursos naturais, em vez de promover mudanças no estilo e na dinâmica da vida econômica, para que ela seja ecologicamente sustentável; certamente os países que mais poluem deveriam ser também os maiores contribuintes para reduzir esse dano à natureza e à vida humana. Bem se percebe que ainda precisamos dar grandes passos. Espero que isso não aconteça tarde demais.
Qual a postura da Santa Sé diante das negociações?
Dom Odilo – A Santa Sé acompanhou atentamente as negociações até aqui, dando sua contribuição para se chegar a acordos razoáveis. A Santa Sé tem uma autoridade moral reconhecida e não poderia se furtar a tomar parte nessas negociações.
A sociedade civil organizada, inclusive organizações da Igreja, como a CNBB, a Pastoral da Juventude e várias pastorais sociais e outras organizações, participa da Cúpula dos Povos. São atividades autogestionadas que apontam saídas alternativas às apresentadas pelas delegações oficiais das nações.
Como o senhor avalia essa iniciativa?
Dom Odilo – É muito importante que as organizações da sociedade civil se manifestem e contribuam, à sua maneira, para buscar acordos e soluções para as questões postas pela conferência. A sociedade civil tem maior agilidade e liberdade para discutir e propor; as delegações oficiais tratam sintonizadas com os governos dos respectivos países. As duas posições acabam se complementando.