Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo e Presidente do Regional Sul 1 da CNBB
Quaresma no Ano da Fé: quanta coisa bonita da nossa fé temos a recordar neste “tempo favorável”! Logo no início da Quaresma, na Quarta-feira de Cinzas, ouvimos este apelo: “convertei-vos e crede no Evangelho”. A conversão, antes de tudo, é para a própria fé; é um “voltar-se” para Deus, ouvir Deus, ir ao seu encontro, abrir espaço para acolher Deus na vida, obedecer a Deus e ter a alegria de estar com Deus. Sim, porque é em comunhão com ele que está a nossa vida e nossa paz.
E isso tem a ver com nossa fé em Jesus Cristo, fé que renovaremos alegremente na noite pascal. Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, nosso Salvador e Senhor da Igreja, está no centro da nossa fé, inseparavelmente unida à fé em Deus.
No segundo domingo da Quaresma, lemos o Evangelho da transfiguração de Jesus no Tabor (cf Lc 9, 28-36), que nos traz alguns elementos basilares de nossa fé em Jesus Cristo. Os discípulos já viam em Jesus alguém extraordinário, mas ainda não tinham compreendido quem, de fato, ele era. Três deles – Pedro, Tiago e João –, acompanham Jesus ao alto do monte, onde Jesus se põe a rezar e se “transfigura” diante deles. O evangelista descreve uma cena do céu: Jesus, glorioso, resplendente, em companhia dos santos, na presença de Deus Pai. Pedro fica deslumbrado com a glória de Deus, quer ficar ali para sempre: “Bom é estar aqui! Façamos aqui três tendas...”.
Por um momento, ele experimentou que estar com Jesus é estar com Deus, é ter a “salvação”, é estar no céu! Não bastasse o esplendor da glória divina que brilha em Jesus e os envolve também, eles ainda ouvem a voz vinda da nuvem, sinal bíblico da presença de Deus: “este é meu filho, o escolhido. Escutai o que ele diz!”. É o próprio Deus que atesta quem é Jesus: é o Filho amado, o Escolhido para dar vida e esperança a todos os homens. Ouvir o Filho é ouvir o Pai, que o apresenta e recomenda aos homens.
Pedro e os companheiros fizeram a experiência da beleza, do deslumbramento, da paz, da saciedade, do objetivo final de todas as buscas, da realização plena do sentido da vida: “é bom estar aqui! Vamos ficar para sempre!”. A expressão traduz aquilo que experimentam os bem-aventurados e santos no céu, na companhia de Deus. Pedro, Tiago e João sentiram isso, estando com Jesus na transfiguração.
Os demais apóstolos tiveram essa mesma experiência nos encontros pascais com Jesus, após sua ressurreição. E será essa a base inabalável para sua fé, que depois os sustentará nas perseguições, ameaças, torturas e até diante do martírio: “não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos, do que nossos olhos contemplaram e nossas mãos tocaram...”. Nossa fé em Cristo nos dá essa experiência antecipada da plenitude, do céu, da “salvação”, embora isso ainda seja “através do véu”, e não visão clara e definitiva.
Jesus, com seus discípulos, desce novamente do monte da glória e volta para a planura da vida presente. Ainda não é a hora do céu e Jesus os convida seguir com ele para Jerusalém, o lugar da sua rejeição e condenação à morte. Por enquanto, a vida é caminho no seguimento dele e de anúncio do Reino de Deus. Também eles devem tomar sua cruz cada dia e seguir atrás de Jesus. A transfiguração foi para lhes dar certeza e coragem, para não se escandalizarem diante da humilhação e do desprezo, diante da condenação de Jesus à morte. “A fé é a certeza a respeito das coisas que ainda se esperam” (Hb 11,1). Na base de nossa fé está Jesus Cristo, Filho de Deus, verdadeiro homem, a quem Deus enviou ao mundo com autoridade e poder para “salvar” o homem.
No Tabor, os apóstolos tinham visto a glória de Cristo; no Calvário, eles só veem o homem desfigurado, desprezado, desacreditado... Custa-lhes crer que ele seja o Filho de Deus! Ficam escandalizados, fraquejam e fogem. Apenas João permanece junto da cruz. Contudo, depois do encontro com o Ressuscitado, os outros também voltam a Jesus, a começar por Pedro; ficam novamente fortes na fé em Jesus Cristo, Filho de Deus, Filho do Homem. Por ele dão a vida e nunca mais deixarão de falar, também através dos seus sucessores, das coisas que viram e ouviram.
Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 26.02.2013